Ninguém poderá almejar nunca obter o dom da verdade ou de algo absoluto durante a sua vida. Coloquemos pois de lado a fútil ideia de que teremos alguma vez a razão a cem por cento sobre qualquer coisa e pensemos muito seriamente de que por algo que foge do meu conhecimento, tudo o que fazemos com um propósito a alguém, ser-nos-á devolvido um dia quando menos esperamos de forma a termos consciência que há algum tempo poderemos ter errado, ou não. Estarei sempre à espera do retorno.
Lembro-me dos meus dezoito anos e da sensação leve que era viver os dias sem pensar no amanhã, ou mesmo que possíveis sacrifícios os meus pais poderiam estar a fazer para que eu tentasse como diziam “ser alguém”. Sem ser pretensioso, já na altura, mesmo tendo atitudes de jovem perfeitamente irresponsável, eu tinha a consciência de que existiam três tipos de caminhos que inevitavelmente nos poderiam dar a trilhar e até hoje nada foi modificado.
O que nos foi transmitido por repetição desde o dia em que nos cortaram o cordão umbilical e continua a ser tido como ética e moralmente perfeito, concerne em aproveitarmos todas as oportunidades de estudo que são postas à nossa disposição e tentarmos chegar ao terminus de um curso superior o mais depressa possível. No meu tempo de estudante universitário, os cursos superiores ainda valiam alguma coisa e davam no mínimo para se ser professor qualquer que fosse a disciplina a leccionar. Hoje sabemos que existem somente dois caminhos : o desemprego ou em caso de muito boas notas, uma colocação que nos pode levar longe.
Um segundo caminho consistia em divertirmo-nos o mais que podíamos e depois logo se via. Normalmente acabávamos por ser nós a pagar os nossos cursos superiores em entidades privadas e como bónus haveria sempre a eterna questão se todo o divertimento teria valido a pena e acreditem, cada caso é um caso.
O terceiro caminho foi sempre o mais doloroso e teve a ver como situações dramáticas. Uma tragédia familiar que nos obriga a trabalhar desde cedo ou a incursão no mundo da droga e do crime, terminando com todas as questões.
O meu filho tem dezoito anos.
É uma pessoa extremamente ansiosa e demasiado sensível (em todos os aspectos) para o tempo em que vivemos. Chamar-lhe-ia o “últimos dos românticos”. Por isso sofre. Sofre porque enfrentou uma separação mais ou menos brusca dos pais – embora amplamente anunciada – questionando-se ainda hoje sobre as razões da mesma, sofre porque a entidade materna padecendo de insanidade mental – sem culpa própria porque consiste numa patologia hereditária - se recusou a ajudá-lo num momento delicado da sua vida negando ainda hoje recebê-lo como o filho que em tempos amou, sofre porque foi colocado de parte por ter um dia decidido viver com o pai, sofre porque ama, sofre porque em tempos não foi amado e recebeu menos de dez por cento relativamente ao que deu, sofre porque lhe caíram em cima todas as duvidas e receios próprios da sua idade e sofre porque ainda não se encontrou e anda perdido.
Perdido? Não. Sente-se perdido. É absolutamente diferente.
As suas amplas capacidades para ser brilhante mantêm-se inalteradas e à espera de serem activadas. Digamos que a sua vida, estabilidade emocional e auto-estima são linhas paralelas que em breve se tornarão coincidentes. Disso tenho a certeza e transmito-o todas as noites quando lhe dou um beijo de carinho e boa sorte (um hábito que gostamos de manter).
Decidiu largar provisoriamente os estudos e de imediato foi apelidado de “preguiçoso e calão” pelas mais altas instâncias do absurdo, os sumos pontífices da desgraça, as mentes pedregosas da estupidez. Foi neles que procurou apoio e apresentou razões, foi deles que recebeu apupos, excomungado e comparado com outras mentes brilhantes, porém com vidas e corações muito menos nobres.
Apenas quatro pessoas o apoiaram : a irmã (que o conhece como ninguém e partilhou com ele todos os bons e maus momentos), o pai (moi même) inequivocamente sempre ao lado dos filhos, a namorada e alguém que se descobriu ser uma das suas almas gémeas pela sensatez e sensibilidade tão comuns.
Na vida, não somos obrigados a dar sempre passos em frente pois sem termos noção um deles poderá ser no abismo. Por vezes vale a pena recuar, parar para pensar e dar um passo atrás para o que se seguir possa ser mais seguro e forte. Isto é verdade nos estudos, no trabalho, na saúde, no amor. Não quero ser demagogo e dá-lo como verdade absoluta. Porém, até hoje ninguém o contestou.
Para que conste, eu escolhi a segunda opção. Diverti-me à brava e não me arrependo.
José Carlos Lucas