sábado, 16 de fevereiro de 2008

A nossa vida é composta por momentos, na verdade ela é uma sequência de ciclos e um dia termina. Mas o bom é que ela começa e recomeça a cada lance, onde nós vemos tudo mudar num segundo. O que acontece é que não aprendemos a valorizar a vida, a nossa vida. Estamos aqui de passagem! Não somos daqui e por isso mesmo devemos aproveitar ao máximo cada momento, cada novo ciclo dessa viagem. Sabemos com certeza que um dia terá um final…mas porquê perder tempo a pensar nisso? O segredo é seguir o destino conforme ele te conduz.

Porquê tanta insatisfação?

Enquanto reclamas por coisas sem importância, muitos gostariam ao menos de ter a tua felicidade, ter um amigo, ter uma oportunidade para recomeçar, ter uma vida. Será que viver não te satisfaz?

Já paraste para pensar que cada manhã ao abrir os olhos, estás a receber uma dádiva de quem mais acreditas? Amanhã poderás não estar mais aqui. Pois assim como o vento, o destino muda muito depressa, acredites nele, ou não.

Faz o tempo valer a pena, vive a cada segundo, faz o que tens vontade, fala o que pensas, demonstra o que sabes, ama, sê tu mesmo.

Não esperes uma segunda oportunidade…talvez o próximo ciclo da tua vida te leve para um rumo, o qual nunca iremos saber, será exponencialmente melhor que o anterior. Faz por isso.

Mágoas e ódios, por piores que sejam as situações, são paradigmas da infelicidade. Shakespeare escreveu que ter mágoas é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa vá morrer. É uma insensatez. NÃO AGIR EM PROLE DE QUEM SE AMA É DERRUBAR UMA PONTE SOBRE A QUAL SE TEM DE PASSAR.

Porquê aguentar a partilha de um espaço com quem não se ama, porque não se tem a coragem de mudar? Medo do futuro? Pensa o que é pior : ficar nesta agonia ou arriscar uma vida nova? Sem as mudanças, por mais radicais que possam parecer, ficamos na mesma, num estado de aborrecimento, em sofrimento, na rotina, no enjoo, no desinteresse. Se tens de mudar, muda já e depressa. Com determinação. A mudança desempoeira e sacode a vida, abre novas perspectivas, gera novos estímulos, traz novidades, move os brios.

Fazer esperar não é prova de amor, mas antes de que a manutenção do estado de coisas nos é suave e cobardemente agradável.

AGE!

José Carlos Lucas - 2008/02/16

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Como pode o Sol entrar e raiar por todo um corpo se não consegue penetrar na alma? Será que o imaterial não se materializa na contemplação de uma simples flor? Será que a energia que nos conduz não consegue trazer até mim o brilho dos teus olhos, o aroma da tua pele, o fino travo do teu beijo? Onde pára tudo isso?

José Carlos Lucas

Onde pára o romantismo?

Não se sabe. A internet, advento de modernidade que tanta gente já juntou, é no entanto também um meio alienador de vontades e motivador de atitudes que há algum tempo não se faziam.

Agora vem ao de cima o individualismo em detrimento do indivíduo. Os valores de quem ama e de quem é amado confumdem-se com o chorrilho de comentários desejando "bom-fim-de-semana", "adoro-te", "um beijo doce", "grande amiga/o", etc, etc.

O amor não vive somente de palavras doces e promessas calculadas. Há que lhe deitar um pouco de aventura, de desafio, de coragem, de risco. Só a existência destes ingredientes faz com que se note que quem se ama é diferente de todos os outros, ou seja, não é mais um na multidão insipida de "amigos", mas sim o primeiro.

Não houve coragem, vontade nem o romantismo suficiente para aceitar um desafio de amor.

Onde pára o romantismo?

José Carlos Lucas

Ontem chorei.

Eu, que muito raramente choro, armei-me em piegas e chorei. Por vezes dá-nos estas coisas e se a vontade de verter algumas lágrimas é superior ao estado normal, não temos de as evitar.

A mãe dos meus filhos saiu de casa em Março deste ano, deixando-me no início com dois adolescentes e uma casa para gerir. Abracei o facto com a normalidade possível, mas posteriormente a minha filha, por solidariedade ou não, foi viver com ela. O meu filho também. Fiquei só. Fez-se um silêncio terrível nesta casa. Os passinhos e as brincadeiras de há 14 anos anos faziam eco todas as noites. Cruel o destino. Mais cuel ainda quando as expectativas de viver com quem ocupa o meu coração se desvaneciam como poeira na consentida burocracia judicial e na estabilidade confortável de uma situação mantida há muito.

Este fim-de-semana os meu filhos estiveram comigo. Fui com eles ao cinema e na hora de dormir alguém entrou no meu quarto e disse que tinha frio. Nunca uma baixa temperatura foi tão abençoada nesta casa. Sorri e fui buscar o velho edredon de penas para colocar na cama da minha filha. Aconcheguei-a e falámos um pouco como antigamente. Depois de sentir que estava confortável e sem o frio que a solidão nos transmite, dei-lhe um beijo de boas noites. O meu coração derreteu-se com a imagem e a volta de um sentimento perdido há tanto. Abracei-a e apaguei a luz. "Até amanhã, fifinha". Um até amanhã que gostaria que se prolongasse por mais, muitos mais dias, lembrando quem sabe os tempos em que sua mãe ainda detinha algum equilíbrio mental e esta casa era tal como o edredon, a magia do acolhimento. Mas esses tempos passaram. Entre um edredon que se foi e outro que teima a recusar tapar o frio da minha solidão, restou este beijo de boas noites, terno e profundo.

Depois chorei. Como há muito não o fazia.

Jose Carlos Lucas

Estranho.

Como não nos apercebemos de certas coisas na vida e elas passam-nos tão perto. As linhas que não discernimos são como as folhas outonais que se movem a uma velocidade estonteante e sem darmos por isso já lá vão sem conseguirmos identificar nenhuma delas.

A fina linha que separa a loucura da racionalidade mostra-se tão invisível quanto a praga que nos atinge, a febre que aparece sem aviso prévio, ou o amor que se vai quando menos estavamos à espera...ou talvez não.

O que quero dizer é que a atenção a essas linhas imperceptiveis tem de ser redobrada sob pena de galgarmos a que nos leva à loucura, normalmente sem retorno.

Esranho...

Estranho como interpretamos o estaticismo das nossas vidas como algo normal e depois tudo se pode desmoronar como um baralho de cartas.

Estranho como relações sentimentais já desgastadas se quebram e ficamos surpreendidos ; estranho como reacções de ciúme podem levar a desconfianças perdidas ; estranho como cumprimos escrupulosamente leis que nos afectam, prejudicam e são entraves à felicidade, estranho como temos relações de pura prostituição com os conjugues sem conseguirmos cortar esse elo nefasto porque nao podemos...ou nao queremos ; estranho como apesar de todas as medidas colocadas ao nosso alcance nos deixamos apanhar nas garras da SIDA, só porque não soubemos resistir a um impulso quimico, só porque não conseguimos que a razão se sobrepusesse à natureza.

Neste dia mundial da luta contra a SIDA vamos pensar. Vamos exercitar a razão e tentar que nas nossas vidas não entre essa estranheza, esse virus inteligente que o poder nos colocou à frente, só para estancar a subida em flecha da população. Gerações foram já eliminadas. Não vamos deixar que essa linha se torne imperceptivel e nos corroa até à morte.

Vamos fazer por nós e ajudar todos os que por descuido ou simples desconhecimento ganharam o direito a uma morte muito pouco digna. Isto se há alguma que valha esse qualificativo.

Vamos lutar e ajudar. Vamos tornar as nossas vidas menos estranhas.

Jose Carlos Lucas

Criaram desde muito cedo em nós a ilusão de que a felicidade existe e teremos um dia de ser felizes. Fomos instruídos na busca incessante de algo que não se vê, não se toca, não se cheira e muito menos se sente. Como tenho por vezes escrito aos meus “não-leitores” , a felicidade como conceito e como realidade emergente não existe e nunca existirá. Tal como “céu”, é uma invenção linguística do ser humano para explicar ou muitas vezes afagar, mágoas profundas e desejos não concretizados.O mesmo sucede com o Natal e as tradições que lhe estão agregadas. São inequívocas as provas de que ninguém chamado Jesus tenha nascido em Belém por esta época. O Natal é a evolução de uma simples celebração pagã que se fazia pelo início do Inverno. Nada mais. A tenebrosa organização mafiosa católico-romana que ainda hoje goza de favores especiais e regula as vontades de inúmeros estados que deveriam ser soberanos, para além de distorcer milhões de mentes menos dotadas de racionalidade, fez com que o Natal se tornasse numa data preferida de consumo e de todo em todo espiritual.Mas as tradições mantêm-se.As famílias reúnem-se, pais juntam-se com filhos, tios com sobrinhos, primos com primos, irmãos desavindos com os desavindos irmãos, maridos adúlteros com adúlteras mulheres, maridos fiéis com fidelíssimas mulheres, maridos fiéis com adúlteras mulheres e maridos adúlteros com fiéis mulheres, enfim, uma orgia perfeita de celebrações que, a 26 de Dezembro já nada significa, ou melhor, significa perfeitamente o mesmo que a 24. Milhões glorificam a gula à volta de suculentos doces e pratos tradicionais, enquanto o triplo desses milhões procuram o máximo – sempre insuficiente - de arroz ou farinha para alimentar os seus filhos. É este o mundo de Deus. É este o mundo que o suposto Jesus nos deixou. A bondade eterna foi corrompida pelo ser que o “Pai” criou à sua imagem. Pena que lá em casa não haver espelhos.Para todos os cristãos, um feliz e reconciliador Natal. Para os outros, divirtam-se. Há futebol na TV dia 25. José Carlos Lucas

Andreia. Estudante do 2º Ano de Geografia da Universidade Clássica de Lisboa.Residente em Loures. 21 Anos.

"Olá. (Sorrisos). Isto vai ser público só na sua página...tua(?), ok, não é? Público...também existem muitas Andreias por aí e só no meu ano somos várias, por isso que se foda. Gosto muito do curso que estou a frequentar e posso até dizer que sou uma aluno média assim para o melhorzinho. Tipo 14, 15. Já dá para fazer qualquer coisa e também espero melhorar até ao final do curso. Porque é que respondi ao convite? Hum....(silêncio)...sabe, todos nós temos e fazemos algumas coisas que não são as mais legais e nunca serão aprovadas por ninguém. Só nós sabemos porque as fizemos.

É assim. Tenho aulas de manhã e até meio de tarde, mas o resto do tempo ou passava no café com amigos, ou ía ao cinema, ou...ía estudar. Comecei a ver as coisas a andar para trás. Um tédio, brrrrr esta vida. Uma amiga minha que é de Literatura aqui na Universidade começou a dar nas vistas. Todos os dias, bem nem todos, mas sabes como é, todas as semanas vinha com roupa nova, de marca sempre, até metia nojo. Mora na Amadora. Nunca lhe tinhamos visto uma capacidade assim para usar aquilo que usava. De repente táaaass. Brutos casacos, calças variadas e telemóveis topo de gama. Dois telemóveis.

Comecei aos poucos a falar com ela e tornamo-nos mais ou menos íntimas. Fui a casa dela e vi que a familia é uma familia normal. Nada de paneleirices e essas coisas. Foi então que ela me disse que havia tempo para tudo. Não percebi à primeira. Então levou-me a um andar ali perto da Av EUA e mostrou-me assim...o seu local de trabalho. Explicou-me que até se podia dizer que se prostituia, mas ela nao considerava isso. Porque só fazia quando queria e necessitava. Eu acho que é prostituiçao, mas...(sorrisos).

Um dia ela marcou-me um encontro. Até fui eu que pedi, porque queria trocar de telemóvel e o meu tava estupidamente velho. Fomos ate lá. Esperei. Entrou depois um gajo todo engravatado e quando olhou para mim disse logo "tu é menor?". Mostrei-lhe o meu BI e conversei com ele um pouco sobre a faculdade. Acho que o tipo devia ser economista ou qualquer coisa de finanças porque só falava nessas coisas. A páginas tantas beijou-me e apalpou-me as mamas. Recuei e ele ficou todo lixado, dizendo que quando se paga é para ser bem servido etc etc. Fiquei com medo. Mas deixei que ele fizesse o resto. O quê? O normal. Fodemos os dois. Foi à ... deixa ver ... 6 meses. Foi assim como que achar um bau de ouro. Logo nesse dia ganhei 150 euros. Até hoje já deu para muitas coisas. Claro que não. Os meus pais não sabem e só duas amigas é que têm conhecimento. Uma delas pertence ao trio que anda naquela casa e já ganhou muita massa porque esse faz algumas coisas que eu nao faço. Eh Eh (riso). Não não digo. Anal por exemplo não faço. E eles sabem e respeitam. Sao quase sempre os mesmos, por isso ela tinha razao quando dizia que nao era prostituiçao.

Nao nao tenho namorado. Mas se tivesse tambem nao havia problema. Não. Nunca diria. É melhor assim. Até ao fim do curso vai dando para muita coisa. Depois deixo. Vou ensinar, mas para fora de Lisboa. Acho que chega ok? Tá, ok."

Uff calor !

São quase 6 da manhã e o Sol já vai bastante acima do horizonte. Parece que o mar acalmou um pouco após este últimos dias em que as ondas teimaram em agredir a suave e branca areia desta praia sem perder de vista. Como é hábito o sono foi-se. Tem sido assim nos últimos anos, acordar cedo. Agora já não me perturba, mas quando estava na Europa era terrível a ansiedade que vinha com o amanhecer e o despertar antes da hora marcada no celular. A falta de sono que tanto me irritava de manhã dissipou-se aqui. Agora é uma bênção acordar cedo, vislumbrar os fortes raios de Sol tentando entrar pelas frestas das tabuinhas, o som do mar espraiando-se pela praia e ela ainda dormindo. Uma visão angelical, um sorriso esboçado no sono, fruto de quem nada tem a temer, de quem nada tem a esconder, de sonhos simples e puros como o mar em que nos banhamos pela manhã.

Após quinze minutos de meditação e agradecimento por mais um dia, levanto-me e faço a higiene matinal. Bebo um sumo de aceroula misturado com iogurte e cereais – um velho hábito do velho continente – e vou num instante à praia falar com os pescadores.

Zé do Norte está visivelmente contente. Pela primeira vez desde à 3 dias conseguiu ir ao mar e a faina resultou em pleno. O grande cabaz que misteriosas forças lhe permitiam transportar estava exposto na areia macia da praia Branca, nome que provinha da cor de leite das suas areias. Falámos um pouco sobre o tempo. Zé era uma pessoa simples como ninguém pode deixar de ser por aquelas paragens, mas tinha uma mágoa que o perturbava e que me confidenciou um dia : não conseguia manejar o computador e lá em casa era o único incapaz de o fazer. Sempre lhe disse que não se preocupasse com isso, pois também ninguém lá em casa sabia manejar o seu pequeno barco com tanta mestria e ser o responsável pela alimentação de tantas bocas. Ele sorria e mostrava a dignidade que lhe ia na alma : “pois é, tem razão, mas assim estou sempre lhe incomodando para saber o tempo para amanhã. Afinal o senhor é o meu companheiro de bordo”. Eu sorria e tentava fazer entender que a vida é feita de pequenas trocas e cedências. A informação meteorológica que lhe dava todas as noites no pequeno bar que frequentávamos era largamente compensada pela certeza de ter peixe fresco pela manhã, praticamente a preço de custo e o custo era a faina que fazia todas as noites em que era possível ir ao mar. Digamos que tínhamos uma pequena sociedade ancestral e primitiva. Peixe fresco por informação e instrução que fornecia aos seus filhos antes de frequentarem a primeira escola. Nenhum tinha entrado nela sem ter a noção das letras e dos números, o que lhes fornecia alguma vantagem perante os companheiros, mas com a consciência de que a escola é para aprender e usar essa aprendizagem para poder ajudar quem não consegue acompanhar. Seguiam-no à regra e o pescador tinha por eles um orgulho incalculável. Éramos vizinhos desde que “poisara” naquela terra abençoada. No início, poucos exibiram simpatia por um extraterrestre que de malas e bagagens teve a desfaçatez de dizer que vinha para ficar e gostaria muito de criar amigos e raízes. Um intruso na comunidade que vivia à volta da grande cidade. Muitos perguntaram porque não tinha ido viver para a urbe, onde com certeza me iria adaptar melhor. Tive de lhes explicar que de cidades estava eu farto. Queria paz e vinha procurá-la ali, no contacto com a natureza e as coisas simples da vida.

Depois de negociar com o Zé, voltei para casa. Ela já se tinha levantado e expressou os seus bons dias com um beijo profundo. O seu corpo estava ainda quente contrastando com a minha pele arrefecida pela brisa matinal que, embora morna, era bastante mais fria que o seu doce tacto. Sorriu e delicadamente passou uma gota de geleia por baixo dos meus calções ao mesmo tempo que me transportava para a nossa cama.

Com algumas poupanças que tinha trazido do preconceituoso continente, consegui implementar na cidade uma pequena academia que ministrava aulas e sessões de reiki, tai-chi, yoga e onde trabalhava uma boa parte do dia. Não me iria tornar rico com tudo aquilo, mas dava para levar uma vida tranquila e no limiar daquilo que sempre sonhara para mim. Ela por vezes passava por lá. Simplesmente para me dar um beijo de boa tarde ou almoçarmos algo simples e conversarmos um pouco. Tinha decidido trabalhar na cidade. Éramos um pouco diferentes mas nada que colocasse em causa o interesse comum pela natureza e o respeito pela dimensão tempo, uma exigência minha de anos atrás. O tempo era importante. A sua gestão adequada trazia harmonia ao corpo e à alma. Ambos os factores tempo e espaço tinham de ter uma simbiose perfeita para que estivéssemos em consonância com a natureza. Era sinal de saúde e bem estar. Quando por acaso o corpo entrava em desequilíbrio, aqueles factores eram preponderantes para um redimensionar das coisas e uma cura rápida e efectiva. Tempo, espaço.

Quando os primeiros raios de Sol teimavam em queimar o horizonte era sinal de que o ciclo do dia e da energia pulsante se estavam a esgotar. Sentávamo-nos no alpendre a usufruir da beleza que o anoitecer dispensava aos sentidos. A mistura radiosa de cores, o perfume das plantas e o som das ondas, eram o estupefaciente perfeito para nos inebriar e transmitir que mais um dia se tinha passado. O ciclo mudava. A noite iniciava-se calma e ritmada.

A maior parte do ano as temperaturas eram quentes o que nos permitia jantar no alpendre. Refeições simples que nos preparavam para noites tranquilas. Conversávamos sobre os acontecimentos do dia e mirávamos as estrelas, comparando os mapas astrológicos de dias anteriores. Surpreendentemente ela tinha mostrado um interesse por astronomia e tornara-se perita em fazer mapas astronómicos com uma minuciosidade impressionante. Explicava-me onde se localizavam as principais constelações e os seus extraordinários movimentos. Deliciava-me com aquilo.

Após o jantar dávamos um longo passeio pela praia que embora escura já não o era aos nossos olhos. Conhecíamos todos os recantos, todas as pedras e conchas que o mar nos trazia. No início, as ondas eram matreiras e faziam-nos partidas como que a dizer “que fazem aqui no nosso território?”. Mas depois de quilómetros caminhados, éramos praticamente companheiros de viagem das mesmas e todas sem excepção nos vinham dar as boas noites. Dizem que as ondas são únicas. Não acreditem. Aquelas nós conhecíamos e respeitando a sua sazonalidade sorriam no seu bater na praia.

O bar da Tété era como um templo para onde quase todos convergiam à noite. Na conversa com amigos, no bebericar de uma cerveja ou de um sumo natural, renovávamos a fé na humanidade porque em tempo tínhamos duvidado da sua racionalidade. Ali, encontrámos a resposta para a descrença no bicho Homem. Simplicidade. Das coisas simples, de gente simples e sem preconceitos vinha a verdadeira essência do Ser Humano. Era ali que se definia a diferença entre nós e o Rock (o cão lá de casa).

Após o convívio e a salutar troca de ideias ou o acompanhar vibrante de um jogo de futebol, regressávamos a casa. Meditávamos cerca de vinte minutos numa harmonização energética que nos permitisse sentir que fazíamos parte de algo mais lato que este pequeno planeta. Depois sorriamos e beijávamo-nos. Os seus olhos meigos indicavam uns dias cansaço, noutros pedidos clementes de saciedade. Fazíamos amor e nunca sabíamos quando tínhamos terminado…ou se algum dia terminaríamos. Estávamos convencidos que isso nunca aconteceria e mesmo quando a nossa energia lhe espalhasse pelo Universo, estaríamos juntos.

José Carlos Lucas

P.S. – Ontem a mãe de um amigo deixou-nos. Espero que a sua energia se congregue e ganhe força para ajudar os seus entes queridos que choram a sua partida. Todavia meu amigo João, não foi uma partida mas sim uma transformação. Um transporte de energia para outro local do Universo. Não obstante a falta física que nos corrói, onde estiver, estará sempre presente e senti-lo-ás no teu coração.

Quando sei que vou estar contigo
Parece que o dia se ilumina
Sinto-me melhor
Mais confiante com uma vontade louca de te falar
Adoro quando me olhas com um sorriso no olhar
Quando ficas contente por mim
Com cada uma das minhas pequenas
Ou grandes vitórias, como se elas fossem também tuas
A verdade, é que acho que sem ti
Não tinha tido nenhuma vitória nos últimos tempos
Ou talvez, as tivesse mas nem as notava...
Tal como toda a minha vida
Alegras-te com as minhas pequenas ou grandes vitórias
Como nunca ninguém fez
E, por isso mesmo, eu nunca lhes dei importância
Foi isso que me fizeste
Ensinaste-me a dar importância
Às pequenas coisas que faço
Ensinaste-me a reparar em mim
Ensinaste-me
a ter auto estima
Apenas porque gostas de mim
E ficas feliz por mim
Com aquelas coisas que eu aprendi
Com a vida, a fingir que não têm importância
Imaginas o que senti
A primeira vez que deste importância a uma delas
Questionei: «porquê?» nunca ninguém tinha dado
Nunca ninguém tinha demonstrado
E eu vivi sempre olhando
Apenas para a sombra daquilo que fazia
Em vez de olhar, com orgulho, para aquilo que fazia
Por um lado foi bom
Por outro fez-me sentir amargurado
Pelos aplausos que nunca me deram
Pelo inseguro que me tornaram... e hoje, agora
Não será tarde demais?
Por isso preciso de ti...
De te falar
De sentir o teu apoio
Do teu amar…
De envelhecer a teu lado
Fica comigo meu amor…

Autor : António (retirado de um comentário de hi5)

Perante a profundidade destas palavras tão singelas e da aceitação das mesmas, qualquer comentário, ensaio, romance ou poema, será votado à obscura existência do nada.

José Carlos

A vida é um contínuo de positividades e negatividades ou simplesmente uma soma de pequenos “frames” que um dia formarão o filme?

Não tenho resposta para esta questão. Sei sim que existem “frames” reais e outros que geram apenas a ténue ilusão de que se está a viver uma falsa realidade. Uma experimentação dos sentidos, uma vivência provisória que de modo algum nos projecta para a dimensão correcta.

Um estupefaciente que nos torna dependentes da ilusão de um fugaz momento de felicidade, como se a vida começasse ali e tivesse continuidade. Mas não.

Como qualquer output de um alucinatório, a realidade sobrepor-se-á inevitavelmente.

Experimentemos levar alguém que nada tem – amor, bens, capacidade financeira – a jantar uma refeição com que sempre sonhou, a ver um filme no cinema onde tem por hábito ganhar umas moedas de caridade, a dormir na cama limpa e fofa de um apartamento ou hotel e prolonguem-lhe essa vivência por dez dias. Após o quarto dia, a sua paupérrima realidade deixa de fazer sentido e no seu lugar começa a formar-se um nicho mental e a noção de que a sua vida não fazia sentido. Esta é aquela com que sempre sonhou e, porque não, aquela a que sempre teve direito. Se quisermos, adicionemos-lhe a oferta de um trabalho medianamente remunerado, ao qual ele se dedica sem restrições ao fim do terceiro dia. Para trás ficou uma mesquinhez e turbulência que já não entende muito bem como era, como foi possível chegar àquele estado de coisas, àquela vida sem sentido.

Ao décimo dia retiremos-lhe tudo e ofereçamos-lhe nada mais que o que tinha dez dias antes, com a promessa de que um dia a experiência que viveu, será a sua verdadeira vida.

Suicídio? Revolta? Vontade de dar um tiro nos autores da experiência? Frustração?

Sim. De tudo um pouco. Mas frustração, tristeza e descrença serão as sensações mais adequadas como consequência de uma experiência tão atroz.

Um pequeno frame numa vida sem sentido.

José Carlos Lucas

1.

Ah, soubesse eu te contar
Toda amargura
De não poder te dar
Tanta ternura
Ah, soubesse eu nunca te contar
Ah, pudesse eu te dizer
Toda tristeza
De estar sempre esperando
Uma incerteza
E nada poder
Nem desesperar
Oh, triste caminho do coração
Que ama sozinho
Que coisa triste
Amar sozinho
Quanta solidão
Ah, pudesses entrever
Minha ansiedade
Depois de um dia de saudade
De uma noite inteira a soluçar
Vem! Não tardes mais
Amor, que eu vivo procurando
Quando vais chegar?
Eu sei que chegarás
Ah, pudesse eu pôr a teus pés
A minha vida
Amor, por quem tu és
Oh, vem
Não tarde mais
Sim, por favor
Façam silêncio
Meu amor vem em silêncio
Quando
ele por mim passar

2.

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…

Dizem que o tempo é o que dele fazemos.

Sob alguns aspectos não deixa de ser verdade, porquanto a sua evolução e possíveis inflexões de nós dependem inteiramente. Todavia, o tempo, no seu sentido físico e prático é algo contínuo que nos deixa uma profunda mágoa. Ficamos realmente magoados quando algo passa por nós indiferente à nossa opinião, ao nosso olhar e sobretudo quando quase imploramos para passar um pouco mais devagar, ou depressa consoante as circunstâncias.

Afinal e vistas bem as coisas, nós é que somos um produto do tempo.

Passa languidamente pela vida de uma criança, dando-lhe oportunidade de observar sem grandes problemas os factos do mundo, criando ou não traumas irreversíveis ; baralha-nos na adolescência e juventude quando todos os minutos contam e nenhum é igual ao precedente ; stressa-nos quando adultos quando julgamos que não o temos mesmo e todos os prazos são queimados, levando-nos ao desespero e a profundas depressões quando não encaramos as coisas “com tempo” ; choca-nos quando idosos, porque provavelmente “já nada era como no nosso tempo” e a verdade é que todos os dias se vai esgotando a uma velocidade vertiginosa.

Tenho para mim que somos realmente um produto do tempo. Embora não nos devamos deixar pressionar pelo mesmo, o certo é que quando queremos viver, amar, sorrir, usufruir o que a vida tem de bom, temos muitas vezes de lutar contra ele e a rapidez e eficácia da nossa actuação será determinante para termos ou não tempo para o fazer.

Infelizmente, quando a vida, o amor, o conforto de não estarmos sós, não é uma prioridade, certamente cada minuto se torna numa perda de tempo, até um dia não o termos mais…nem tempo para o lamentar.

José Carlos Lucas

Aos meus filhos : PAULO e PATRÍCIA

Muito tenho ainda para lhes dar. Todavia, já muito pouco para ensinar ou formar.

Vejo-os ainda adolescentes, aproximarem-se cada vez mais da idade adulta. Que lhes posso dizer? Que a vida é dura, que sejam de ferro, que sejam como rochas. Isto poder-vos-á ajudar a suportar as tempestades, servir-vos na estupidez e na monotonia, guiar-vos nas traições súbitas, abraça-los nos momentos baixos. Afinal, a vida nada mais é que um tapete suave. Sejam gentis, vão devagar. Também isto vos poderá servir. Já se amansaram feras nas quais o chicote falhou.

O crescimento de uma frágil flor num caminho já despedaçou e fendeu uma rocha. Sejam flexíveis. A flexibilidade conta, bem como o desejo e o querer. SEM UM QUERER PERSISTENTE NADA ACONTECE !

Saibam que o muito dinheiro já matou homens e que a muitos deixou mortos anos antes de estarem enterrados. A procura do lucro para além de algumas necessidades já transformou bastantes homens bons em vermes secos e retorcidos.

Sejam tolos de vez em quando e nunca se envergonhem de terem sido tolos, mas antes de aprender qualquer coisa com todas as tolices, na esperança de não repetirem as tolices gratuitas e ineficazes, chegando assim a uma verdadeira compreensão de um mundo que tem muitos tolos.

Tentem ao máximo conhecer-se a vós próprios e acima de tudo aceitem as mentiras inocentes que disseram e transformem-nas em defesas contra que vos pode querer mal.

Eu sou neste momento um homem só. Todavia, sintam que a solidão é criativa e com ela tomem decisões finais e claras nos vossos quartos silenciosos.

Se para vós ser diferente dos outros é natural e fácil, porque não sê-lo?

Tenham os vossos dias de preguiça no sentido de buscarem o seu verdadeiro motivo.

PROCUREM TUDO O QUE É NATURAL !

Depois e quando o sentirem, procurem compreender Shakespeare, Pasteur, Pavlov e todos os Espíritos Livres que provocaram mudanças neste mundo que odeia a mudança.

Acima de tudo, amem, sejam livres e entendam que todo o tempo conta.

Acima de tudo, lembrem-se que têm Pai. Sou eu. Estarei sempre na vossa memória porque vocês são a razão do bater do meu coração.

Pai.

A semana passada falaram-me numa frase que já não ouvia faz anos : “uma vida pacata”. Com a velocidade que imprimimos aos nossos dias e à nossa vivência, deixámos de ter espaço para pensar que alguma vez podemos ter essa vida simples e tão pacata nas urbes em que vivemos. Por vezes ouvimos dizer que no campo, no interior tal é possível existir e ainda se conseguem encontrar especimens que são disso capazes. Mas depois olhamos à nossa volta e não conseguimos discernir como o poderíamos fazer nas grandes cidades. Até porque nas sociedades ocidentais “desenvolvidas” ter uma vida simples e pacata é sinónimo de pobreza e estagnação. Quem o procura diz-se que não tem ambição e mais tarde ou mais cedo será devorado na selva urbana, complexa e competitiva dos grandes aglomerados económicos.

Porém, ultimamente as circunstâncias com que a minha vida se deparou fizeram-me ver que ainda podemos alcançar essa pacatez quiçá perdida nas calendas dos tempos.

Todos um dia temos de dar um rumo à nossa vida. Esse rumo encontrei-o na simplicidade de uma vida frugal, procurando evoluir profissionalmente de um modo gradual ao mesmo tempo que tento alternar com acções em que possa juntar o conhecimento, o saber e a dádiva ao próximo, tentando “curtir” a minha casa e todos os atributos que me fizeram nela investir, enfim, saindo o quanto a educação in loco de um filho de quase 18 anos e à distância de uma rapariga de 15 anos me permitem. Como durante a minha fase de casado praticante fiz muito poucos amigos, deparo-me com uma solidão suave mas que por agora já consumiu dias piores.

Paralelamente, tenho uma relação de “namoro” com uma pessoa que amo. Como a situação matrimonial de ambos é burocraticamente ridícula, vemo-nos espaçada e calmamente, esperando que um futuro juntos seja uma realidade a longo prazo. Com calma, sem pressas e acima de tudo com uma fleuma “very british”.

Levantar, pequeno almoço, trabalhar, passar a noite com os meus filhos e uma ou duas vezes por semana com a namorada, sem stress, poder-se-á chamar a isto uma vida pacata? Creio que sim. Mesmo quando aparecem problemas de circunstância, desejo e quero enfrentá-los com a simplicidade dos sábios e a racionalidade suficiente para que não haja situações de stress acumulado.

Isto não significa que possamos todos fazer o mesmo, mas se tentássemos usufruir um pouco mais das situações poucos desejáveis em que nos encontramos, talvez as entendêssemos um pouco melhor e fossemos capazes de mais rapidamente sair delas.

Com pacatez,

José Carlos Lucas

Não se pode dizer que seja um despertador. A era dos despertadores pertence a um passado não muito longínquo. Hoje usam-se telemóveis para nos despertar, para nos avisar que deveremos fazer algo, como máquina fotográfica e espantemo-nos, até serve de telefone. O meu é um companheiro inseparável e pelas 7:30 h da manhã lá está a chamar por mim com uma música suave e se adormeço, vai-me relembrando de 5 em 5 minutos que o soninho terminou e o banhinho está à espera. Pena não me preparar o banho nem o pequeno almoço.

Tenho como hábito não sair da cama sem preparar mentalmente o meu dia, ou seja, relembrar o meu próprio cérebro de que existem “x” tarefas para fazer e por vezes vou um pouco mais longe, tentando de imediato resolver algumas. Desde Junho ou Julho do ano passado que comecei a ter a necessidade de prolongar a minha meditação matinal. Por mais uns minutos e até hoje o faço, indago o porquê de acordar sem ninguém a meu lado. Claro que, sabendo que a minha futura ex-mulher me abandonou não poderia esperar outra coisa, a menos que tivesse um orçamento desmesurado para “acompanhantes”, o que não é o caso, nem faz o meu género. Todavia, alguém preencheu o meu coração há já algum tempo e seria em princípio esse alguém que lá deveria de estar.

Existem sempre dois modos de se procederem a transformações nesta vida e isto aplica-se a todo e qualquer pedacinho de ser humano existente no planeta. A transformação por via “revolucionária” ou “radical” e a transformação por via “reformadora”.

Tenho por hábito dar um exemplo elucidativo do que significa para mim uma e outra. Imaginemos uma casa portuguesa, pequena, velha, pobre e humilde como gostava Salazar e o desafio de a transformarmos numa casa completamente diferente, atraente e nova. A via reformadora de se conseguir este objectivo diz-nos que deveremos manter a casinha velha, mas rasparemos as paredes interiores e exteriores, consertamos umas janelas e caiamos de branquinho. Ora aí está uma casinha bonita, atraente e em que dará gosto viver. Todavia e se verificarmos bem, continua a ser uma casa pequena, pobre, humilde e velha, na qual aplicámos um “new look” e só por fora se vêm as diferenças. Por outro lado, a via mais radical diz-nos que acima de tudo a casa é velha e uma verdadeira transformação implicará sempre a sua destruição e a consequente construção de uma nova. Aqui, nesta, já se podem utilizar materiais mais modernos de modo a que obtenhamos não a mesma casa, mas algo diferente para melhor : uma casa à nossa dimensão, nova, diferente e arrojada. Terá com certeza custos mais altos, mas durará muito mais que a outra e não haverá o perigo de se desmoronar.

O mesmo acontece quando os casamentos terminam e surgem novas relações. Podemos enveredar por processos de divórcio lentos, chatos, complicados, com advogados no meio, onerosos e muitas vezes desgastantes porque nada depende de nós mas sim de um juiz idiota qualquer que não se está para chatear com coisas que não implicam o aumento da sua riqueza pessoal (via reformadora), ou então remamos contra tudo e todos e desafiamos a lei em nome de um sentimento tão nobre como o amor. Claro que esta via, mais radical, implicará discussões com os ex-futuros conjugues, problemas com os filhos e o abdicar de mordomias que se tinha enquanto casados. Mas é o preço a pagar por algo novo, fresco, rejuvenescedor e acima de tudo uma luta conjunta em busca da felicidade. Esta é a via que poucos escolhem em virtude de não quererem perder os benefícios da sua antiga vida, nem terem realmente optado por assumir uma relação nova. Enquanto a permanência na antiga casa e a convivência com o marido/mulher não for desgastante, a coisa vai andando ao sabor do Sr Dr Juiz, sem se pensar que também a nova relação poderá ser desgastada desde o seu início, nascendo assim com graves problemas no seu sistema imunitário.

Ponderando estes factos apresentados, fico todos os dias a pensar porque acordo sozinho e sinceramente ainda não entendi. A opção da via reformadora foi um facto que até agora só tem trazido injustiça, dor, solidão e instabilidade. Não houve a opção de lutar. Cedeu-se a preconceitos errados e à falsa legalidade. Porque não se terá pensado que o amor pode arrastar montanhas? Porque não se terá optado por enfrentar de peito aberto a legalidade mórbida?

Porque acordo sozinho todas as manhãs?

Um dia alguém me há-de explicar. Até agora ninguém o conseguiu.

José Carlos Lucas

“As mãos tremem…

A consciência de tudo o que vivi já levitou e deixou o meu corpo abandonado ao desvario do inconsequente, do imponderável.

Tenho a noção de que tudo o que fiz foi mal feito, tudo o que realizei não se viu nem foi reconhecido, tudo o que transformei como por bruxedo se tornou em realidade demoníaca, tudo em que toquei é agora apenas sedimento, tudo foi em vão. O simples facto de ter nascido foi um terrível engano, um deslumbramento falso da natureza, uma boa vontade dos progenitores seguida de um desperdício do que se preparava para a vida.

Mata-me a noção de que falhei. Como pai, como companheiro, como amigo, como amante, como profissional, como ser humano.

Curioso como nestes momentos finais a memória é tão precisa como nos melhores traços intelectuais que tivemos ao longo da vida. Porém, só as más recordações afloram, nunca as que nos poderiam fazer mudar de ideias acerca de um fim inevitável.

Os comprimidos estão à minha frente. O seu vislumbre torna-se confuso. Há um caminho a percorrer, não se podem escolher as drogas mais rápidas. Tento os ansioliticos – creio que 5 bastam – mais uma palete de 6 antidepressivos. Chega para conduzir e chegar ainda vivo ao local do encontro. Os encontros com o desconhecido nunca me deram particular prazer. Este também não deveria de dar mas há um tempo e um momento em que não se aguenta mais, em que a vontade de se sentir livre é muito forte, a vontade de cobardemente se enviar tudo para a responsabilidade de outros nos parece o mais adequado a fazer, mesmo sabendo que nos vamos afastar para sempre de todos os que mais amamos. Mas será que somos amados? Não. É mesmo por isso que …cheguei.

A noite está fria. Mas o céu limpo. Estrelado. Bom, não sei bem se são estrelas ou os químicos a fazer efeito. Espero mesmo que sejam estrelas. Gostaria de as ver pela última vez. O meu grande hobbie, as estrelas.

As pernas já tremem. Óptimo, não tarda. A visão torna-se turva. Felizmente já não está ninguém na plataforma. Esperemos que venha à hora certa.

Aí vem.

Tem de ser muito antes da imobilização final…ohh o estômago. Aqui está ! Velocidade…euuuu!!!!!!!!........”

Não votei no partido que suporta este governo. Aliás, normalmente voto em partidos pequenos em virtude de não concordar com a lei eleitoral nem com o sistema de eleição do governo. Sei que muita gente julga que ao votar nas eleições legislativas está a eleger um governo através do seu voto num determinado partido. Nada mais falso. Estamos simplesmente a eleger deputados para a Assembleia Legislativa, através de nomes, simples nomes de cidadãos que na maior parte das vezes só visitam os círculos eleitorais a que se candidatam, na época do acto eleitoral. Trata-se pois, em minha opinião, de uma farsa eleitoral. Ninguém nos assegura que o partido que vence coloca quem promete como proposta de governo e muito menos podemos ter a segurança que o Presidente da República o vai sancionar. Tudo representativo, nada directo, como deveria acontecer numa democracia que fizesse jus ao seu nome.

Todavia, tenho apoiado algumas medidas de saneamento financeiro do Estado porque as acho necessárias e em definitivo, a população portuguesa terá de ter a noção que viveu muitos anos acima das sua reais possibilidades, com um endividamento impressionante das famílias e que isso se traduziria mais tarde ou mais cedo na penúria das mesmas, no aumento do desemprego e no agravamento das condições de vida dos portugueses. Esse é um dado relativamente ao qual não tenho dúvidas. A culpa aqui não morre solteira : é de todos. Seja qual for o governo que geriu o país no pós 25 de Abril, não teve como prioridade o bem estar dos cidadãos mas sim a elevação do seu status no mundo da política e posteriormente no sector económico. Os sindicatos são um bom exemplo disso. Qualquer sindicalista que se preze já deixou de trabalhar há muito, dedicando-se em exclusivo “à defesa das classes trabalhadoras” sem o mínimo de resultados visíveis. Em 33 anos de democracia ainda não houve uma conquista das classes mais desfavorecidas que tivesse o cunho dos sindicatos. No entanto, os tribunais estão cheios de processos contra esses pseudo-sindicalistas por abuso de poder e desvio de fundos.

Se até ao final da década de 80 se compreendia a frustração dos portugueses por terem estado enclausurados 50 anos e terem sido sujeitos a uma guerra injusta, suja e devastadora, acompanhada de uma repressão nazi e de uma pobreza extrema, o que indubitavelmente provoca o desejo de possuir tudo aquilo a que se tem direito numa Europa que se diz igualitária, nunca se teve porém a consciência de que essa mesma Europa vive neste momento melhor porque saiu de uma guerra horrível e os seus povos trabalharam e sofreram tanto ou mais em duas décadas como nós não o fizemos em 900 anos de história. É simples e não poderemos nunca colocar a cabeça dentro do buraco. O síndroma do Sebastianismo é um factor genético-histórico que nos acompanhou desde sempre. Algo há-de aparecer para nos salvar, não nos vamos preocupar. É disso que continuamos à espera e é por isso que cada vez mais somos o país mais atrasado da Europa. Dentro de cinco anos, qualquer Albânia ou Creta nos ultrapassa com a tranquilidade de quem trabalha para construir o seu futuro, enquanto nós passamos o Janeiro a contar os feriados e as pontes que temos durante o ano, no sentido de, num esforço glorioso de aritmética conseguirmos os tradicionais 50 dias de férias aos quais se juntarão mais umas baixas médicas para complementar a viagem que faremos a Fortaleza para “comer umas gajas boas cmó milho, pois daquelas não há cá”.

Perturbou-me de qualquer dos modos, algumas últimas decisões deste governo em termos de gestão do quotidiano dos cidadãos. Um dos sectores que se deve saber gerir sem macular as populações é sem dúvida o da saúde. Neste aspecto e para além das premissas economicistas que poderão estar por detrás de decisões menos populares, as coisas não estão a correr bem. Fecham-se maternidades, encerram-se Centros de Saúde, fecham-se hospitais, só porque a afluência era diminuta e economicamente inviável segundo dizem. Como resultado destas decisões pouco calculadas, apenas podemos contabilizar mais de 50 partos feitos em ambulâncias porque agora se tem de caminhar mais de 40 Km para se ter um filho, o entupimento das urgências dos hospitais centrais o que implica um sério agravamento das condições de atendimento e da qualidade prestada pelos profissionais de saúde, que podemos pensar que não, mas são humanos e por fim o lamentar da morte de uma idosa cujo estado inspirava cuidados graves e o Centro de Saúde que lhe deveria prestar os primeiros socorros e estabilizá-la se encontrava encerrado por Ordem do Ministério, vindo a senhora a falecer no caminho para o Hospital Central.

Meus amigos, uma morte é demais onde quer que seja. Em minha opinião, este facto faz do Sr Ministro da Saúde e do Primeiro Ministro DOIS ASSASSINOS passíveis de serem julgados em qualquer tribunal credível na União Europeia.

Lamentavelmente estamos a falar de pessoas humildes e pobres que não têm nem conhecimentos nem meios para avançar com um processo acusatório de crime em primeiro grau com dolo, por parte destes dois senhores.

Assim agíssemos todos e o país estaria a ser governado por gente decente.

José Carlos Lucas

Até que ponto conseguimos conhecer a fundo uma pessoa? Nestes últimos dias de transição entre 2007 e 2008 tenho-me debruçado bastante sobre esta questão, pois dela depende não só algumas decisões que deverei tomar e que terão implicações directas na minha vida, mas em simultâneo a própria questão em si é bastante pertinente e a sua clarificação – embora sempre parcial – poderá ser um tónico essencial no sentido de me poder relacionar muito melhor com o meu semelhante.

Creio que a questão básica se centra entre aquilo que alguém diz de si próprio e o demonstra em primeira instância de uma forma aparentemente quase perfeita e o seu “eu” verdadeiro, aquele que aqui e ali vai transparecendo e só uma observação quase clínica, mesmo cirúrgica, nos transmite. Colocasse-nos deste modo uma dualidade de praxis, ou seja, deveremos seguir a figura “ingénua”, infinitamente “boa” e quase “sagrada” que nos é apresentada em praticamente 99,999% das suas actuações, ou, pelo contrário, teremos de estar de sobreaviso para a incredulidade de nos depararmos com a milésima probabilidade de termos em frente algo “mesquinho”, “maldoso”, “subliminarmente adúltero” e afinal falso?

Até agora e por mais que o meu bom senso se incline para a primeira hipótese, acredito que deverei estar atento para a realidade da segunda. Pequenos lapsos já foram identificados e quando isso acontece, não há volta a dar.

É algo que me faz pensar nestes dias chuvosos da estação que ainda agora começou. Fria e calculista, mas por vezes sedutora, toldando-nos a visão e o discernimento com os primeiros pingos de chuva.

José Carlos Lucas

Ultimamente, ao tentar visitar algumas pessoas presentes no universo do HI5, deparei-me com um fenómeno interessante que é o bloqueio das páginas e a sua restrição somente para amigos.

É uma medida interessante que na verdade impede os mirones de andarem em páginas alheias e de relativamente às mesmas enviar comentários menos próprios e ver as várias fotos presentes. Não impede todavia que pessoas menos bem intencionadas elaborem páginas falsas com um perfil digno de um licenciado e fotos a condizer com o que é socialmente aceite. Depois é só convidar a pessoa em causa e a probabilidade de ser recusado é muito pequena. Além disso, é permitido o envio de mensagens para complementar um curriculum bem sucedido. Por outro lado – e embora sendo uma apenas – está exposta sempre uma foto, deliciosamente preparada para clonar e colocar nos mais maravilhosos sites pornográficos.

Deduzo por isso que este “gato com o rabo escondido” não é de grande utilidade em termos gerais.

Todavia e depois de uma análise mais profunda do tipo de pessoas que tinha a sua página bloqueada a “strangers”, descobri progressivamente o fio à meada, ou seja, o que as teria motivado a utilizar tal função. Assim, consegui dividi-las em três subtipos lógicos em termos da sua tradicional performance neste mundo virtual :

1 – Um primeiro grupo que poderei chamar de “tias intelectuais” e se localizam no perímetro Estoril, Cascais, Sintra. São pessoas bastante reservadas, cujas vidas se aproximam do elemento neutro da multiplicação e que usualmente frequentam festas privadas, nas quais alugam “acompanhantes masculinos” via Internet e cujas fotos expõem nas suas páginas. Tendo em conta que na sua maioria vivem à conta dos maridos, não seria na realidade muito proveitoso expor as suas páginas e acima de tudo o seu conteúdo.

2 – Um segundo grupo é composto por pessoas que têm dupla, tripla…. N personalidades, e vivem na net até altas horas da madrugada. Entretêm-se como seduções virtuais que vão até à masturbação e das quais resultam comentários e acima de tudo mensagens bastante sugestivas. No dia seguinte, preenchem os quadros do ensino básico e secundário, as cadeiras de escritórios de advocacia e as clínicas de medicina pública e privada. Obviamente que inundam os serviços da função pública. São pessoas absolutamente normais e o facto de serem paranóicas na net é normalmente um facto escondido dos cônjuges. Isto porque na sua maioria são casados e terão matrimónios hipoteticamente satisfatórios.

3 – Um terceiro e último grupo desprovido de personalidade e que utiliza a função porque conhece imensa gente dos outros dois grupos e sem ter a mínima noção para que serve, a aplica com entusiasmo, o entusiasmo dos asnos.

Para quê ? Para serem os primeiros a ter clonagens, a chatear-se com o hi5, quando afinal andam é chateados e entediados com as suas vidas? Meus amigos(as), se não aguentam um hi5 livre….façam de conta que vão ao WC e pirem-se daqui.

José Carlos Lucas

Recentemente e depois de me aplicarem algumas críticas sobre o que de pessoal escrevia, decidi não passar para a tela durante uns tempos, factos e sentimentos sobre a minha pessoa ou comigo relacionados. Aproveitei então alguns dados que tinha captado como trabalho de campo e após as autorizações necessárias, creio que esta será a melhor oportunidade para expor publicamente e em particular para a mais de meia dezena de pessoas que gentilmente lêem o que escrevo, opções, sentimentos, críticas, desabafos (a maior parte das vezes emocionados) de alguns cidadãos que por várias razões não tiveram oportunidade (ou não lhes foi dada) de expelir o que dentro de cada um deveria ter emergido na altura certa. Não lhes foram dados temas prévios. Tão somente foi pedido para falarem livremente sobre o que lhes ia na alma.

Serão testemunhos reproduzidos de um gravador de pequenas “tapes” e somente foram limadas algumas arestas de sintaxe. O discurso é directo e as pessoas em causa optaram por não omitir as suas identidades. Abençoadas sejam por uma atitude tão nobre.

1.

Alexandre Colaço, 63 anos, funcionário administrativo da loja do cidadão. Colocado neste momento na Praça dos Restauradores.

“Não sei o que dizer. Gosto daquilo que faço e com 63 anos consigo organizar-me melhor com os computadores que muita gente nova que por aqui anda. Sou casado, tenho duas filhas e três netos pequenos. Não sou politico. Mas gosto de discutir politica. Vivo em Lisboa e estou a dois anos de me reformar, se me deixarem. Isto não está fácil e todos os dias saem notícias novas que podem mudar as coisas. Se calhar quando chegar aos 65 anos sou obrigado a trabalhar até aos 70. Não se sabe.

Humm, posso falar de algumas coisas que marcaram a minha vida. O nascimento das miúdas, o meu casamento, a guerra, isso não interessa…interessa…tenho muitas memórias da guerra em África. De dois em dois anos fazemos uma almoçarada com camaradas que lutaram na Guiné. Já não nos ficamos pelo nosso pelotão porque muitos já se foram, mas procurámos mais gente que tinha lutado ali. Foi duro. Estava destacado para a região do Boé e fomos nós que transferimos o aquartelamento de Madina do Boé para outro local, perto de Cheche. O tempo era sempre quente mas isso pouco importava. A chuva e os mosquitos é que eram lixados. Ficámos perto do rio…do rio…olhe foi-se-me, mas a mosquitada não nos deixava dormir. Idade? Tinha 23 anos, isto foi em 1968 ou 67, creio que 68. Era dos poucos solteirinho no pelotão. Quando cheguei em 1966 disseram-me logo que era melhor assim pois só tinha de prestar contas a Deus. Só percebi isto depois e ainda hoje não sei se era alguma coisa politica ou por causa das pretas. Se foi política, deram-se mal. Nunca me meti nisso e naquela altura o medo não dava para pensarmos se era justo ou não estarmos ali. Era um soldado e tinha de lutar pelo meu país. Claro que no fundo não era bem assim, mas com 23 anos tava-me a lixar para se estava certo ou errado. O objectivo era sair dali vivo e voltar para Lisboa em pé. O rio era o Corubal. Um rio lamacento e cheio de mosquitos. Mas perigoso. A memória não falha caraças. Tinha alguns jacarés mas isso era normal e só os burros é que se atreviam a por o pezinho na água. Por acaso nunca houve nenhum acidente com os bichos. Morreu muita malta, junto a mim morreram quatro numa emboscada, mas comido nenhum foi. Não tivemos muitas baixas naquela zona. Era mais ou menos pacifica até 1967, 68. Depois é que foi o caraças. Depois de me vir embora contaram-me que não havia dia que não malhasse um ou dois. Foi quando o Spínola andou por lá. Parece que foi mau. Mas enquanto lá estive, não perdemos mais de 20 homens em dois anos. Uma vida é uma vida, mas a comparar com Angola aquilo era calminho. Mulheres? Sim …não não digo. Também não foi nada demais com o que se passou a guerra toda. O perigo era as doenças que as gajas traziam dos pretos. O nosso comandante dizia que era a pior arma de guerra (risos abertos). Não tenho problemas em falar sobre isso. Sou casado mas na altura não era e sou uma pessoa séria. Em 30 anos de casamento não há nada a registar de anormal. Em guerra a coisa é diferente. Mas as únicas “maldades” se assim se podem chamar, que fazíamos, era quando desconfiávamos que existiam “turras” nas aldeias. Aí varríamos aquilo mas não tocávamos nas crianças. Agora as mulheres eram escolhidas. E fazíamos o gosto ao corpo. Contra? Olhe, nunca vi nenhuma que se tivesse recusado. Não sei o que fazíamos se recusassem. Nunca nenhuma recusou (duas gargalhadas). E olhe que lhes ensinámos umas coisas (sorrisos). Mas era a guerra. Agora não temos guerra e vemos a podridão que vai por aí com as miúdas na prostituição com 14 e 15 anos. Tenho um amigo taxista que me conta que isto estás nas últimas. Brasileiras, ucranianas já ultrapassaram as portuguesas em quase todas as zonas da cidade. Se o meu amigo for atento vai ver que uma pessoa nem precisa de dizer que vai às putas. Elas encarregam-se de demonstrar que estão ali. Uma miséria. Olhe comparado com a Guiné, isto é muito pior. Nunca gostei do Salazar, mas pelo menos havia alguma decência. Hum? Claro que havia prostituição. Eu sou de Lisboa não se esqueça. Sempre houve. Mas estavam em locais que sabíamos onde eram. Agora estão espalhadas por todo o lado. Já vi engates com empregadas de restaurantes. Sabe, nós somos pessoas , os portugueses, que gostamos muito de receber e recebemos bem. Por isso deixámos entrar toda a porcaria. Agora quem se lixa é o mexilhão. A favor dos bordéis? Não…e olhe já não digo nada. Pelo menos estavam fechadas. Mas só seria a favor se as tirassem das ruas. É que são na maioria garotas. (silêncio). Olhe não me ocorre mais nada. Gostava de melhores dias para a função publica. Só isso.”

One day in your life
You'll remember a place
Someone touching your face
You'll come back and you'll look around, you'll . . .

One day in your life
You'll remember the love you found here
You'll remember me somehow
Though you don't need me now
I will stay in your heart
And when things fall apart
You'll remember one day . . .

One day in your life
When you find that you're always waiting
For a love we used to share
Just call my name, and I'll be there

One day in your life
When you find that you're always lonely
For a love we used to share
Just call my name, and I'll be there.

Sam Brown III & R. Armand

Natal.

Por esse mundo fora é Natal.

No mundo Ocidental pseudo desenvolvido, celebra-se a mentira do nascimento de Jesus (o Cristo) enquanto os flocos de neve caem junto às estações de metro onde dormem milhares de sem abrigo e desprotegidos que o Deus cristão resolveu castigar, perguntam eles porquê. Nas mais recônditas aldeias e perante uma fome visível, celebra-se o Natal. À luz das velas ou do candeeiro a petróleo, que o advento da electricidade ainda lá não chegou.

Zamir chegou com a pouca farinha que coube hoje à sua família, que espera letargicamente num campo de refugiados pela paz que o Deus natalício se esqueceu de ensinar ao Homem, feito por si à sua imagem.

O Natal chegou enfim aos hospitais por esse planeta de Deus, onde a miséria e a doença não deixam esconder a maldade divina, a falta de sorte segundo os humanos, mas a realidade de um sofrimento atroz que inunda milhões de corações que sangram, que choram e se questionam - como Madre Teresa por fim o fez - o porquê de termos um Deus tão incompetente que não conseguiu espalhar a bondade pelo mundo e deixou ao Homem o livre arbítrio de o fazer, sem qualquer sucesso. O que não admira. Somos humanos, podemos ser maus e bons.

O Natal chegou até mim.

Recuei 30 anos no tempo. Passo a noite de Natal com os meus pais, afinal os únicos que sempre ao meu lado estiveram, nos bons e maus momentos, substituindo com um enorme sacrifício o Deus que amam, mas falíveis como são, não conseguiram passar a mensagem. Seremos de novo três como 30 anos atrás. Mais velhos, mais serenos, mas mais sós. O primeiro Natal sem os meus filhos, espoliados da minha presença por gente sem princípios e de uma maldade sem precedentes. O primeiro Natal sem os meus filhos desde à 17 anos. Passo o Natal com quem amo. Os meus pais. Mas quem amo não quer passar o Natal comigo.

Há muito tempo que os meus pais não passavam o Natal comigo. Nem se importariam de não o fazer se soubessem que eu o passaria com que me quer e ama. Isso é o amor paternal que nada substitui. Mas quem amo também tem família e esta é a época da família segundo dizem. O Natal impõe que as estruturas se voltem a juntar. Umas num perpétuo contínuo que nada nem ninguém pode abalar, outras voltando às origens. Quem amo tem família, como sempre teve e terá. Juntar-se-ão como sempre o fizeram à volta de uma mesa farta e darão as mãos em agradecimento. E viverão cada minuto da época natalícia, adorando-se e adorando um Deus que os juntou. Segundo creio que disseram, o que Deus juntou, jamais o Homem separe. Afinal, tudo é levado à letra, tudo continua na mesma e o espírito natalício terá mais uma vez levado a melhor sobre o amor. A falta de coragem fará o resto.

Desejo a todos os cristãos um feliz Natal.

José Carlos Lucas


É um facto inegável que o Natal já me disse algo.

Lembro-me quando era pequeno, da excitação de receber os presentes que eram possíveis logo muito cedo a 25 de Dezembro. Curiosamente não me recordo de acreditar no Pai Natal nem nas renas que com esforço puxavam o trenó em que viajava tão obesa personagem. No entanto, os presentes sabiam sempre bem.

Quando os meus filhos nasceram e até à sua idade de 12 anos, coube-me sempre fazer o papel de Pai Natal. Aí também entravam os meus sobrinhos e restante família. Pelos miúdos fazemos tudo.

Era sempre uma época de alguma nostalgia, dado que era passada numa localidade fria do Alentejo e o cheiro acolhedor das lareiras acesas mantinha a alma quente, enquanto os doces caseiros típicos locais, preservavam a gordura de modo a não termos frio.

A vida no entanto é feita de pequenos avanços e recuos, de passos em falso e apostas no futuro, que embora credível, tarda cada vez mais em clarificar-se e tornar-se realidade.

Este ano passo o Natal com os meus pais. Como há 30 anos atrás. Amo-os. Como também amo os meus filhos. Mas estes passam a época festiva com a mãe.

Quem amo também não quer passar comigo, ou não pode, como se poder fosse querer e a vontade algo irredutivelmente fixo. Quando não se quer, diz-se que não se pode e quando se quer pode-se sempre. Isto serve para a amizade, a companhia, a solidariedade, o amor, enfim, tudo.

Este vai ser um Natal de verdadeira solidão. A mesma que, apregoam os falsos poetas, pode ser tão positiva e tão benigna que tornará alguns seres mesmo felizes. Por mim dispenso.

Um Bom Natal para todos.

José Carlos Lucas

1.

Na passada segunda-feira dia 3 de Dezembro, tive uma reunião no centro da cidade pelas 11 horas da manhã. Nesta época natalícia registam-se sempre alguns factos que me merecem um apontamento e também um ligeiro sorriso. Os milhares de assalariados que residem na região de Lisboa, acabaram de receber os seus subsídios de Natal e aí o concurso começa. Regra única : tentar estoirá-los no mais breve tempo possível e contabilizar o maior número de compras sem qualquer sentido ou necessidade. Usualmente nunca há um vencedor porque todos o são à partida e o resultado final nunca difere entre todos.

A azáfama instala-se na cidade e torna-se gradualmente impossível caminhar em linha recta na rua e muito menos nos Centros Comerciais da cidade. Multidões acotovelam-se para chegar mais depressa aos produtos, em função dos falsos avisos dos comerciantes de que os mesmos estão a esgotar. As pessoas esquecem o lato espírito natalício e a crueldade, selvajaria e atropelo instalam-se facilmente nos seus espíritos.

Como referia, cruzei várias artérias da cidade caminhando, quando gradualmente me comecei a aperceber do seguinte facto : Os ciganos tinham-se organizado a nível urbano e em frente de cada supermercado, Centro Comercial ou loja de conveniência, estava sempre alguém sentado no chão, com um copo na mão a pedir dinheiro. Alguns usavam ténis Adidas e Nike. Mas o que mais me impressionou foi a distribuição criteriosa por todo centro da cidade, transmitindo a ideia certíssima de há muito tinha sido preparada aquela acção e na segunda-feira era a manhã do ataque. Obviamente que quem pedia eram crianças de todas as idades e mulheres jovens. Nenhum adulto estaria incluído em tais tarefas, emergindo com um status elevado numa estrutura complexa mas disciplinada. Vamos ver se as receitas foram adequadas as objectivos, senão teremos uma onda de assaltos pelo final do ano e Janeiro.

José Carlos Lucas

2.

“No final de Maio de 1966, Mão criou um novo gabinete, o pequeno Grupo da Revolução Cultural. (…) Em breve começaram a aparecer emblemas com a cabeça de Mao, fabricando-se no total 4,8 mil milhões de unidades. Foi nesse Verão que o Livrinho Vermelho foi distribuído a toda a gente. Tinha de ser transportado e brandido em todas as ocasiões públicas e as suas prescrições recitadas diariamente.

Em Junho Mao intensificou a sujeição da sociedade pelo terror. Escolheu como instrumento desse terror jovens de escolas e universidades, os canteiros naturais para o desenvolvimento de activistas. Disseram a estes estudantes para condenarem os seus professores e responsáveis pela educação por “envenenarem” as suas cabeças com “ideias burguesas”.

(…) A 18 de Junho, uma quantidade de professores e quadros da Universidade de Pequim foram arrastados em frente de multidões e maltratados, os rostos pintados de preto e chapéus de burro nas cabeças. Foram forçados a ajoelhar-se, alguns foram espancados e houve mulheres que foram sexualmente molestadas. Episódios semelhantes aconteceram por toda a China, produzindo uma cascata de suicídios.”

Jung Chang e Jon Halliday

“Mao – A história desconhecida”

Hoje e porque estamos a entrar no mês do Natal, decidi escrever algumas pequenas histórias para crianças, as quais poderão aproveitar para contar aos vossos filhos, sobrinhos ou porque não, curtirem-nas vocês mesmos.

Era uma vez uma porca chamada Maria. A Maria era uma porca das grandes, bem alimentada e que gostava de passar a vida ao Sol, despreocupada e sem fazer absolutamente nada, assim do género da função pública dos humanos. Um dia, o seu porco procriador decidiu que a Maria teria de começar a ajudar na lida da quinta e da sua pocilga, pois a porcaria já se tinha acumulado tanto que não havia mãos a medir. O porco pensou e resolveu dar-lhe o privilégio de tomar conta da ninhada de porquinhos que havia na quinta. A função consistia em contar histórias, levá-lo a comer e tratar dos que se sentiam tristes ou doentes.

A porca Maria ficou encantada com esta sua nova actividade. Já tinha bastado de Sol e boa vida. Agora era hora de ajudar o seu porco.

Era uma alegria vê-la ao final da tarde a recolher os seus leitões e à noite a falar com eles, dando-lhes soluções para os pequenos problemas que os afligiam e depois de amamentar alguns, dar-lhes um carinho até adormecerem.

Um dia a porca Maria ao falar com uma vizinha lamentou-se que o caseiro lhe tinha tirado a ração porque entendia que ela era uma porca para engorda e não para andar a trabalhar tanto. “Ah queres trabalhar, então vais passar fome, teria dito o caseiro”. Não fazia sentido, agora que se sentia tão útil, ser tratada abaixo de porca. Porque era porca com muito orgulho. Mas quem mandava era o dono e teve de deixar os seus meninos para voltar aos banhos de Sol. No início estranhou, mas depois regozijou-se com a decisão do caseiro. Afinal, estar sem fazer nada e usufruir de uma engorda boa e saborosa era o sonho de qualquer porca e a Maria não era excepção.

Mas o caseiro não tinha gostado que a porca Maria tivesse dito mal dele às outras porcas. Decidiu no entanto agora aumentar-lhe a ração.

Um dia a festa chegou à quinta. Muitos automóveis, pessoas bem vestidas e perfumadas estavam constantemente a entrar. Olhavam para a Maria e sorriam. Simpáticas. Até que veio o caseiro e lhe disse “vamos Maria, está na hora. Já engordaste demasiado e falaste também em demasia, por isso hoje vais dar-nos a honra de servires de jantar para o Patrão e os seus amigos”.

E assim foi. A porca da Maria foi trinchada como uma faca no coração e já sem quaisquer questões foi servida em pratos quentes para os mais gulosos e frios para aqueles que preferem esperar.

Coitada da Maria. O caseiro expôs a sua língua ao Sol para todos os porcos terem conhecimento de que não se fala por falar e sem razão aparente. O resultado será sempre o que teve a porca Maria.

José Carlos Lucas

Já?

Claro que tinha sono. Tínhamos ficado a ver um DVD até tarde. Mas tinha de ser e como se diz, “o que tem de ser tem muita força”. Ainda fiquei um pouco mais na cama, onde o calor imperava. Quem tem os pés quentes nunca tem muita vontade de se levantar e eu não tinha mesmo. Apetecia enroscar-me e gozar no mínimo mais umas três horinhas de sono. Bem merecia. Mas aquele domingo estava já mais do que marcado como um dia cheio de movimento.

6:00 h da manhã.

Hum, que crime. Acordar as crianças a esta hora. Embora se tivessem deitado cedo, é sempre doloroso para dois pequenotes levantarem-se a esta hora a um domingo. Mas eu já estava de pé. Só eu. Acordei o meu filho, que ficou a olhar para mim como se questionasse o que é que se passa para estar a retirá-lo do sono e dos sonhos àquela hora. Relembrei-lhe que às 10 horas teria de estar em Sines e a irmã às 11 em Portalegre. 140 Km para um, quase 200 Km para outro.

Toca a acordar preguiçosos, mãe incluída !

A pouco e pouco a normalidade dos hábitos de higiene foi tomando conta da casa, que se encontrava quente e acolhedora naquela Inverno um pouco mais rigoroso que o normal. 3º Celsius naquela altura e segundo os peritos “do tempo” não iríamos exceder os 9º em Lisboa e os 5º em Portalegre.

Após um pequeno almoço que como era hábito tomávamos juntos, verificámos todos os equipamentos. O meu filho – guarda redes de hóquei em patins – tinha quilos de material, mas estava tudo controlado. Desde os seus oito anos jogava nessa posição. Que lhe teria dado para escolhê-la? Quanto a mim só quem não tem nenhum juízo vai para guarda redes de hóquei. As bolas voam direito a eles como balas e quantas vezes são propositadamente rechaçadas através do capacete. Por vezes estamos atrás da baliza e todos nos baixamos quando a bola vem direita a nós, esquecendo-nos de um pormenor importante como a rede colocada para evitar isso mesmo : a ida consecutiva de espectadores para o hospital. Mas aos onze anos mais um jogo longe de casa. Normalmente eu acompanhava-o para todo o lado, mas entrou mais alguém em jogo. A minha filha tinha-se tornado federada em natação e tinha mais uma prova em Portalegre. Não tínhamos nem temos o dom da omnipresença, por isso calhou o hóquei à mãe e a natação ao pai.

Partimos por volta das sete e meia da manhã, cada um para seu lado como se o futuro se adivinhasse ali naquele momento.

Pelas 18:00 horas regressamos ambos com as crianças exaustas. A minha filha tinha ganho 4 provas em 6, um resultado excelente, tendo em conta que estava presente o Sporting, campeão nacional, e nadado cerca de 4 km. Muito pouco face aos 11 ou 12 km que nadava em cada treino.

O filhote “ensacou 5 golos” mas os companheiros foram gentis e marcaram 7. Vinha cansado mas feliz. Tinha-se portado muito bem e segundo um pai me telefonara, poderiam ter perdido o jogo se não fosse ele.

Muito se tinha caminhado, mas a recompensa estava presente nos olhos brilhantes dos pequenotes e nas trocas de impressões que se fizeram à mesa do jantar. Para cada um deles não havia dúvida. As respectivas equipas nada fariam se não estivessem presentes. Para nós, pais, mais uma etapa do processo de educação se tinha ultrapassado. Nesse ano, desde Outubro até Julho, percorremos milhares de quilómetros com eles, numa época esgotante mas emocionante.

Passara-se 5 anos.

Nenhum deles pratica qualquer tipo de desporto. A minha filha deixou a natação no ano seguinte e o meu filho largou o hóquei dois anos após se ter transferido para o Sporting. Ainda jogou futebol um ano. Mas parou.

A equipa familiar também se dissipou. Hoje cada um joga para o seu lado. Enquanto equipa não conseguimos analisar que internamente as regras do jogo iam sendo constantemente ultrapassadas e já ninguém caminhava para o mesmo sentido há algum tempo.

O campeonato terminou e todos descemos de divisão, cada um para a sua. As marcas e lesões deixadas na alma e no corpo vão manter-se até que o tempo se encarregue de as colocar no baú do inconsciente. Resta-nos lutar a favor dos mesmos que tão bem se exibiram naquele domingo e acima de tudo para que na “master proff” que é a vida tenham o mesmo sucesso daquele ano.

Para a outra equipa, resta uma prova dura a que corresponde um longo caminho de solidão e sofrimento. Para que um dia todos os nossos olhos voltem a ganhar o brilho de outrora, noutra dimensão e quem sabe, com outras equipas.

José Carlos Lucas

Tinha sido uma semana bastante agitada, mas pelos resultados, teria valido a pena. A mãe andava como louca à procura de um pouco de tudo sem saber muito bem o que queria na realidade. Esta era sempre uma época em que ela pouco se dirigia a nós sem ser para dar ordens no que diz respeito ao que teríamos de usar na missa do galo, ou sugestões sobre onde nos deveríamos sentar na noite da grande ceia. Os empregados desejavam que a época se passasse depressa, para que a mãe se acalmasse de vez e a paz pudesse voltar a reinar na casa. Era um sufoco. Compras, compras e mais compras, listas infindáveis de lembranças, rios de dinheiro gastos e o pai sempre calmo mas atento.

Normalmente e porque estamos em época de férias escolares, deitamo-nos um pouco mais tarde. Um pouco depois das 11 horas e quando D. Luísa já não pode mais movimentar-se pelo cansaço e acaba por ir dormir mais cedo que o costume, o pai levanta-se da cadeira onde usualmente fuma o seu charuto e ouve música, ou lê um livro e vai devagarinho à cozinha para tentar encontrar os papéis resultantes das compras do dia. Umas vezes volta a sorrir e encaixa-se novamente no velho sofá, outras, trás uma cara de horror e regressa a resmungar, que tudo o que ganha é gasto em coisas sem interesse, que um dia ele falta e vamos ver o que é a verdadeira pobreza, que não está para trabalhar o dia inteiro para sustentar irresponsáveis, enfim, uma série de coisas entre lábios que eu e a minha irmã só entendemos à terceira ou à quarta vez, embora sejam repetidas pelo menos umas dez.

O meu pai é administrador de um banco e este ano quando fiz 8 anos, cumpriu o que no início do ano tinha prometido : mostrar-me o seu banco. Que coisa enorme. Muita gente, sr. Doutor para aqui, senhor doutor para ali, parecia um hospital. Para mim, os doutores só existiam nos hospitais. Fiquei a saber que nos bancos também andam por lá muitos. No dia 23 de Dezembro eles organizam a festa do banco mas não é possível levar as famílias, por isso tive de fazer a visita mais cedo. A minha irmã que ainda tem 6 anos, ficou em casa.

Na noite de Natal, a mãe já não sabe mais o que dizer, tantas são as ordens, que se acaba por baralhar e aos empregados também. O pai tenta ficar afastado desta confusão para não se enervar, já lhe basta os problemas que tem no trabalho. Mas a casa começa a ficar muito bonita. No jardim colocamos sempre uma grande árvore com luzes como vimos na América uma vez que passámos lá o Natal em casa de uns amigos do pai e enfeitamos as janelas e portas para se ver que nesta casa é Natal. Por dentro, todos os quadros têm também bonitos enfeites e por cima da lareira colocamos sempre quatro meias para os presentes. Quando éramos mais pequeninas, os pais costumavam dar-nos as prendas na manhã do dia de Natal. Como acreditávamos no Pai Natal era sempre uma noite em que raramente dormíamos. Ficámos à espreita, a ver se algum homem barrigudo entrava pela chaminé. Muitas vezes a minha irmã pedia água só para verificar se estava alguém dentro de casa. Mas a Otília sossegava-nos dizendo que não nos preocupássemos, porque só quando estávamos a dormir o Pai Natal descia a chaminé. A Otília era uma das nossas empregadas. A que eu gostava mais. Quando a mãe se irritava connosco era ao seu colo que nos íamos sempre refugiar. Um colo quente, como ninguém. Mas agora abrimos os presentes à meia-noite. Debaixo da grande árvore de Natal que o pai sempre conseguia, e que estava sempre coberta de fitas e luzes de muitas cores, lá estavam as prendas de toda a gente que participava na ceia. Os avós vinham de Lisboa, todos os tios moravam junto a nós aqui em Cascais e acima de tudo era uma alegria com os primos. Brincávamos até quase às duas da manhã entusiasmados com as novidades. Por vezes víamos televisão. Mas não era muito interessante o que dava. Sempre os mesmos filmes e por vezes havia num canal uma história sobre Akawa.

A noite já chegara e eu não sabia muito bem o que fazer. Dantes ainda tinha a companhia do meu pai que nos contava histórias das suas noites longas nas montanhas a tomar conta dos rebanhos. Por vezes pedíamos também que nos contasse as suas aventuras na guerra e como ferido a combater tinha perdido alguns dedos de uma mão. Actualmente reparávamos que era com grande sacrifício que cultivava a pequena porção de terra de que vivíamos. Eu e a minha irmãzinha ajudávamos muito. Já aos 5 anos eu conseguia fazer muito da terra. Agora aos 8 costumava mostrar aos rapazes da aldeia que tinha tantos músculos como eles. Mas na verdade nem tinha. Todos fazíamos os mesmo trabalho.

Mas estávamos preocupados com a mãe. Tinha saído antes de o Sol de pôr em direcção às montanhas e à cidade. Pedimos-lhe que não fosse, porque tínhamos muito para fazer e não havia este ano oportunidade para festejar o nascimento de Jesus na escola missionária. Porque se estava a atrasar tanto ? O pai não sabia muito bem fazer comida e também não havia muita. A mãe traria a comida para esta noite.

De repente chegou um jipe da polícia com 3 soldados. Ficámos assustadas. O pai correu para fora de casa e ficou parado a uns metros do jipe. A mãe chorava e tinha as mãos atadas. Mandaram-nos de imediato para dentro de casa. Ouvimos gritos, choros e o pai a dizer que era noite de Natal, que pedia perdão e que pagaria tudo ainda antes da próxima lua cheia. Mais gritos e de repente silêncio. Horrível quando após tanto barulho toda a gente se cala. Ficámos com medo e escondemo-nos por baixo da pequena mesa de cozinha. Por fim o pai entrou com cara de poucos amigos e a mãe a chorar. Pediu-lhe muitas vezes desculpa e que o iria ajudar a pagar com o trabalho que fosse necessário. O pai levantou a mão mas eu corri de imediato para ele e abracei-o. Vieram-lhe as lágrimas aos olhos e afagou-me os cabelos. A mãe e a mana juntaram-se a nós. Afinal, todos os gritos se tinham devido ao facto da mãe ter retirado de um terreno uma pequena árvore de Natal. Não sei porquê, tinha entendido que seria a nossa primeira árvore e teria de ser este ano. E foi. Colocámos uma fitas de pele de carneiro por cima da árvore e fizemos a pequena refeição de sempre. Era afinal só mais uma noite. Mas aquela árvore significava algo mais. Teria o Natal chegado em definitivo a nossa casa?

Esta era a história de Akawa que vimos uma vez. Creio que era uma reportagem de Natal em qualquer sítio de África. Gostámos. Mas a tia Gertrudes tinha-me dado um vestido lindo. Seria este que vestiria no dia seguinte para o almoço de Natal.