terça-feira, 18 de março de 2008

Para ler e pensar - 1

EPISÓDIO 1

Já vou para o meu 5º ano de presença no hi5. Desde que existe a possibilidade de nos tornarmos escritores amadores, tenho por vezes feito entradas que reflectem o meu estado de espírito no momento, ou mesmo as minhas opiniões sobre temas diversos. Hoje e porque encaro certos assuntos como fazendo parte da comunidade e não da minha pessoa, gostaria de vos contar uma pequena história. Uma história verdadeira para a qual peço antecipadamente a vossa maior atenção e sensibilidade.

12 de Junho de 1995.

A empresa não navegava em mares muitos calmos e tinha entrado um DG para fazer a limpeza no quartel. O espectro do despedimento pairava todos os dias sob as nossas cabeças e as ameaças – a maior parte delas inventadas – eram algo com que vivíamos em paralelo diariamente. Todos me diziam que desde manhã andava corado. Normalmente é bom sinal.

Véspera de Sto António, não era ainda o tempo certo para ir festejar os Santos Populares como antigamente, mais a mais com dois filhos em casa, de cinco e dois anos respectivamente. O dinheiro era curto e isso sempre foi o que me criou mais aflição, ter a noção de que não podia viver além das minhas possibilidades mas também não as ter para um período de tempo que me desse algum conforto emocional.

De qualquer das formas e porque todos já tinham saído para as tradicionais comemorações, resolvi regressar a casa. Fui dar um beijo aos meus pais que aproveitando uma velhice tranquila iam no dia seguinte para Paris numa das muitas viagens Inatel. Voltei a casa e jantei com a minha mulher e pequenitos. Sopa e um pequeno bife. Não sendo um grande adepto de sopa, tinha que dar o exemplo aos pequenos e a coisa lá tinha de marchar soubesse bem ou nem sequer conseguisse suportar o cheiro. Sempre consciente porém que a sopa é o melhor alimento que temos ao nosso dispor. Mas quando podia evitar, evitava. Naquela noite não pude e engolia de olhos fechados. Quando me fui deitar sentia-me enjoado.

Uma náusea permanente que não me deixou adormecer. Obviamente que culpei de imediato a porcaria da sopa como causa única da minha má disposição. Passei uma grande parte da noite a tentar vomitar, mas o meu corpo não é muito adepto desses desportos radicais e o esforço foi grande. Dormi muito pouco e nauseado.

13 de Junho de 1995 – Dia de Sto António

De manhã e após a ingestão de tradicional chá de limão que em princípio curaria este tipo de mazelas, fui levar os miúdos ao colégio e a minha mulher ao trabalho após o que me dirigi a casa no sentido de descansar um pouco em virtude da péssima noite. Continuava contudo cada vez mais nauseado, o que não era normal. Raio de sopa. Para além de saber mal ainda me tinha feito pior.

Passei a manhã deitado a ver os programas da manhã que por si só já enjoam. As náuseas não passavam e por vezes tinha suores frios. Esquisito. Seria possível que uma sopa tão bem confeccionada na véspera pudesse ter assim efeitos tão desastrosos no sistema digestivo de modo a provocar um mau estar tão intenso? Não entendia o que se estava a passar e planeei não almoçar. No início da tarde deslocar-me-ia ao Centro de Saúde e exporia os meus sintomas.

12:35H. Um aumento súbito das náuseas trouxe um novo sintoma : uma repentina prisão dos músculos dos braços e mãos, assim como um mau estar generalizado, implicando a não verbalização de três letras : p, r, s.

Cagaço de todo o tamanho, caí para cima da cama e todo o corpo se tolheu numa prisão muscular total. Não havia dor. Apenas um imenso mau estar. A custo arrastei-me até ao telefone e liguei para casa dos meus sogros onde a minha mulher se encontrava também a almoçar. Passados uns minutos e com a sua chegada, os sintomas começaram a dissipar-se à excepção da impossibilidade de proferir palavras com as três letras já citadas. Meteram-me no carro e dei entrada imediata na confusão que é o Hospital Garcia da Horta em Almada.

Como seria bom...

Como seria bom que a realidade nos fornecesse um sinal de que a suposta existência e morte de Jesus (o Cristo) fosse uma verdadeira redenção para a mente humana, tão cheia de abismos e ravinas que colocam o Homem no mais baixo patamar da miséria.

Como seria bom que todos os que apregoam a santidade desta quadra não fossem os que atiram a primeira pedra e demonstram uma vida cheia de falhas pecaminosas.

Como seria bom que as entidades eclesiásticas de todo o mundo cristão não se tivessem perdido nos horrores da pedofilia, da lavagem de dinheiro e do crime em nome de algo que supostamente nem acreditam.

Como seria bom que a herança da miséria, da indignidade de ser escravo, da ruptura racial não tivessem tido como causa comum o próprio cristianismo.

Como seria bom que os padres fossem homens na sua plenitude e não parasitas que sugam o sangue de um povo faminto e necessitado.

Como seria bom que os milhões de cristãos não cegassem perante um papa e uma estrutura de topo, cuja riqueza e fausto dariam para erradicar a pobreza deste planeta.

Como seria bom que todos entendessem que a Páscoa nada teve a ver com esse homem – Jesus – e há muito existia e era celebrada como ritual pagão.

Como seria bom que Jesus fosse mesmo filho de Deus e este não fosse uma força tão cruel que permite mortes inocentes diariamente e tão imperfeito que deixasse morrer o seu próprio filho.

Como seria bom que a liberdade fosse uma realidade.

José Carlos Lucas

Omissão - Traição

Muitas vezes se me tem aflorado aos pensamentos a velha questão da omissão. Para a tradição judaico-cristã da qual temos hoje como representantes os milhares de católicos existentes, omitir é um pecado tão grave como mentir, sendo que a mentira é por si só um pecado capital. Creio mesmo que a mentira e omissão são o que se designa como pecados mortais. Quem diz que sabe e não sabe, que conhece e desconhece, que fez e não fez…ou simplesmente quem tudo omitiu terá a mesma sentença : o inferno. O inferno ou a redenção dos seus pecados através de umas quantas ave marias complementadas com o mesmo número de padres nossos. Claro que tudo isto poderá ser substituído por uma maquia em “cash” para o pároco local. Enfim, cada um escolherá o melhor modo de evitar um local que diz a tradição, ferve de pecado.

Todavia, ficarei sempre na dúvida se omitir é mentir. Já o mesmo não acontece se tais processos se identificam com Traição. Quer se omita, quer se minta, ambas as atitudes são formas de traição da confiança depositada por terceiros. E é pena. Sim. É lamentável que de almas tão puras, de linhas de vida tão inquestionáveis possa surgir a traição.

Uma vez disseram-me que quem trai (ou mente, ou omite) uma vez, fá-lo-á as vezes que forem necessárias e nos mais diversos campos da vida. A ser verdade e tudo indica que sim, a confiança reduz-se à nossa própria insignificância.

José Carlos Lucas