Recentemente e depois de me aplicarem algumas críticas sobre o que de pessoal escrevia, decidi não passar para a tela durante uns tempos, factos e sentimentos sobre a minha pessoa ou comigo relacionados. Aproveitei então alguns dados que tinha captado como trabalho de campo e após as autorizações necessárias, creio que esta será a melhor oportunidade para expor publicamente e em particular para a mais de meia dezena de pessoas que gentilmente lêem o que escrevo, opções, sentimentos, críticas, desabafos (a maior parte das vezes emocionados) de alguns cidadãos que por várias razões não tiveram oportunidade (ou não lhes foi dada) de expelir o que dentro de cada um deveria ter emergido na altura certa. Não lhes foram dados temas prévios. Tão somente foi pedido para falarem livremente sobre o que lhes ia na alma.
Serão testemunhos reproduzidos de um gravador de pequenas “tapes” e somente foram limadas algumas arestas de sintaxe. O discurso é directo e as pessoas em causa optaram por não omitir as suas identidades. Abençoadas sejam por uma atitude tão nobre.
1.
Alexandre Colaço, 63 anos, funcionário administrativo da loja do cidadão. Colocado neste momento na Praça dos Restauradores.
“Não sei o que dizer. Gosto daquilo que faço e com 63 anos consigo organizar-me melhor com os computadores que muita gente nova que por aqui anda. Sou casado, tenho duas filhas e três netos pequenos. Não sou politico. Mas gosto de discutir politica. Vivo em Lisboa e estou a dois anos de me reformar, se me deixarem. Isto não está fácil e todos os dias saem notícias novas que podem mudar as coisas. Se calhar quando chegar aos 65 anos sou obrigado a trabalhar até aos 70. Não se sabe.
Humm, posso falar de algumas coisas que marcaram a minha vida. O nascimento das miúdas, o meu casamento, a guerra, isso não interessa…interessa…tenho muitas memórias da guerra em África. De dois em dois anos fazemos uma almoçarada com camaradas que lutaram na Guiné. Já não nos ficamos pelo nosso pelotão porque muitos já se foram, mas procurámos mais gente que tinha lutado ali. Foi duro. Estava destacado para a região do Boé e fomos nós que transferimos o aquartelamento de Madina do Boé para outro local, perto de Cheche. O tempo era sempre quente mas isso pouco importava. A chuva e os mosquitos é que eram lixados. Ficámos perto do rio…do rio…olhe foi-se-me, mas a mosquitada não nos deixava dormir. Idade? Tinha 23 anos, isto foi em 1968 ou 67, creio que 68. Era dos poucos solteirinho no pelotão. Quando cheguei em 1966 disseram-me logo que era melhor assim pois só tinha de prestar contas a Deus. Só percebi isto depois e ainda hoje não sei se era alguma coisa politica ou por causa das pretas. Se foi política, deram-se mal. Nunca me meti nisso e naquela altura o medo não dava para pensarmos se era justo ou não estarmos ali. Era um soldado e tinha de lutar pelo meu país. Claro que no fundo não era bem assim, mas com 23 anos tava-me a lixar para se estava certo ou errado. O objectivo era sair dali vivo e voltar para Lisboa
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