Uff calor !
São quase 6 da manhã e o Sol já vai bastante acima do horizonte. Parece que o mar acalmou um pouco após este últimos dias em que as ondas teimaram em agredir a suave e branca areia desta praia sem perder de vista. Como é hábito o sono foi-se. Tem sido assim nos últimos anos, acordar cedo. Agora já não me perturba, mas quando estava na Europa era terrível a ansiedade que vinha com o amanhecer e o despertar antes da hora marcada no celular. A falta de sono que tanto me irritava de manhã dissipou-se aqui. Agora é uma bênção acordar cedo, vislumbrar os fortes raios de Sol tentando entrar pelas frestas das tabuinhas, o som do mar espraiando-se pela praia e ela ainda dormindo. Uma visão angelical, um sorriso esboçado no sono, fruto de quem nada tem a temer, de quem nada tem a esconder, de sonhos simples e puros como o mar em que nos banhamos pela manhã.
Após quinze minutos de meditação e agradecimento por mais um dia, levanto-me e faço a higiene matinal. Bebo um sumo de aceroula misturado com iogurte e cereais – um velho hábito do velho continente – e vou num instante à praia falar com os pescadores.
Zé do Norte está visivelmente contente. Pela primeira vez desde à 3 dias conseguiu ir ao mar e a faina resultou
Depois de negociar com o Zé, voltei para casa. Ela já se tinha levantado e expressou os seus bons dias com um beijo profundo. O seu corpo estava ainda quente contrastando com a minha pele arrefecida pela brisa matinal que, embora morna, era bastante mais fria que o seu doce tacto. Sorriu e delicadamente passou uma gota de geleia por baixo dos meus calções ao mesmo tempo que me transportava para a nossa cama.
Com algumas poupanças que tinha trazido do preconceituoso continente, consegui implementar na cidade uma pequena academia que ministrava aulas e sessões de reiki, tai-chi, yoga e onde trabalhava uma boa parte do dia. Não me iria tornar rico com tudo aquilo, mas dava para levar uma vida tranquila e no limiar daquilo que sempre sonhara para mim. Ela por vezes passava por lá. Simplesmente para me dar um beijo de boa tarde ou almoçarmos algo simples e conversarmos um pouco. Tinha decidido trabalhar na cidade. Éramos um pouco diferentes mas nada que colocasse em causa o interesse comum pela natureza e o respeito pela dimensão tempo, uma exigência minha de anos atrás. O tempo era importante. A sua gestão adequada trazia harmonia ao corpo e à alma. Ambos os factores tempo e espaço tinham de ter uma simbiose perfeita para que estivéssemos em consonância com a natureza. Era sinal de saúde e bem estar. Quando por acaso o corpo entrava em desequilíbrio, aqueles factores eram preponderantes para um redimensionar das coisas e uma cura rápida e efectiva. Tempo, espaço.
Quando os primeiros raios de Sol teimavam em queimar o horizonte era sinal de que o ciclo do dia e da energia pulsante se estavam a esgotar. Sentávamo-nos no alpendre a usufruir da beleza que o anoitecer dispensava aos sentidos. A mistura radiosa de cores, o perfume das plantas e o som das ondas, eram o estupefaciente perfeito para nos inebriar e transmitir que mais um dia se tinha passado. O ciclo mudava. A noite iniciava-se calma e ritmada.
A maior parte do ano as temperaturas eram quentes o que nos permitia jantar no alpendre. Refeições simples que nos preparavam para noites tranquilas. Conversávamos sobre os acontecimentos do dia e mirávamos as estrelas, comparando os mapas astrológicos de dias anteriores. Surpreendentemente ela tinha mostrado um interesse por astronomia e tornara-se perita em fazer mapas astronómicos com uma minuciosidade impressionante. Explicava-me onde se localizavam as principais constelações e os seus extraordinários movimentos. Deliciava-me com aquilo.
Após o jantar dávamos um longo passeio pela praia que embora escura já não o era aos nossos olhos. Conhecíamos todos os recantos, todas as pedras e conchas que o mar nos trazia. No início, as ondas eram matreiras e faziam-nos partidas como que a dizer “que fazem aqui no nosso território?”. Mas depois de quilómetros caminhados, éramos praticamente companheiros de viagem das mesmas e todas sem excepção nos vinham dar as boas noites. Dizem que as ondas são únicas. Não acreditem. Aquelas nós conhecíamos e respeitando a sua sazonalidade sorriam no seu bater na praia.
O bar da Tété era como um templo para onde quase todos convergiam à noite. Na conversa com amigos, no bebericar de uma cerveja ou de um sumo natural, renovávamos a fé na humanidade porque em tempo tínhamos duvidado da sua racionalidade. Ali, encontrámos a resposta para a descrença no bicho Homem. Simplicidade. Das coisas simples, de gente simples e sem preconceitos vinha a verdadeira essência do Ser Humano. Era ali que se definia a diferença entre nós e o Rock (o cão lá de casa).
Após o convívio e a salutar troca de ideias ou o acompanhar vibrante de um jogo de futebol, regressávamos a casa. Meditávamos cerca de vinte minutos numa harmonização energética que nos permitisse sentir que fazíamos parte de algo mais lato que este pequeno planeta. Depois sorriamos e beijávamo-nos. Os seus olhos meigos indicavam uns dias cansaço, noutros pedidos clementes de saciedade. Fazíamos amor e nunca sabíamos quando tínhamos terminado…ou se algum dia terminaríamos. Estávamos convencidos que isso nunca aconteceria e mesmo quando a nossa energia lhe espalhasse pelo Universo, estaríamos juntos.
José Carlos Lucas
P.S. – Ontem a mãe de um amigo deixou-nos. Espero que a sua energia se congregue e ganhe força para ajudar os seus entes queridos que choram a sua partida. Todavia meu amigo João, não foi uma partida mas sim uma transformação. Um transporte de energia para outro local do Universo. Não obstante a falta física que nos corrói, onde estiver, estará sempre presente e senti-lo-ás no teu coração.
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