A vida é um contínuo de positividades e negatividades ou simplesmente uma soma de pequenos “frames” que um dia formarão o filme?
Não tenho resposta para esta questão. Sei sim que existem “frames” reais e outros que geram apenas a ténue ilusão de que se está a viver uma falsa realidade. Uma experimentação dos sentidos, uma vivência provisória que de modo algum nos projecta para a dimensão correcta.
Um estupefaciente que nos torna dependentes da ilusão de um fugaz momento de felicidade, como se a vida começasse ali e tivesse continuidade. Mas não.
Como qualquer output de um alucinatório, a realidade sobrepor-se-á inevitavelmente.
Experimentemos levar alguém que nada tem – amor, bens, capacidade financeira – a jantar uma refeição com que sempre sonhou, a ver um filme no cinema onde tem por hábito ganhar umas moedas de caridade, a dormir na cama limpa e fofa de um apartamento ou hotel e prolonguem-lhe essa vivência por dez dias. Após o quarto dia, a sua paupérrima realidade deixa de fazer sentido e no seu lugar começa a formar-se um nicho mental e a noção de que a sua vida não fazia sentido. Esta é aquela com que sempre sonhou e, porque não, aquela a que sempre teve direito. Se quisermos, adicionemos-lhe a oferta de um trabalho medianamente remunerado, ao qual ele se dedica sem restrições ao fim do terceiro dia. Para trás ficou uma mesquinhez e turbulência que já não entende muito bem como era, como foi possível chegar àquele estado de coisas, àquela vida sem sentido.
Ao décimo dia retiremos-lhe tudo e ofereçamos-lhe nada mais que o que tinha dez dias antes, com a promessa de que um dia a experiência que viveu, será a sua verdadeira vida.
Suicídio? Revolta? Vontade de dar um tiro nos autores da experiência? Frustração?
Sim. De tudo um pouco. Mas frustração, tristeza e descrença serão as sensações mais adequadas como consequência de uma experiência tão atroz.
Um pequeno frame numa vida sem sentido.
José Carlos Lucas
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