segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

“As mãos tremem…

A consciência de tudo o que vivi já levitou e deixou o meu corpo abandonado ao desvario do inconsequente, do imponderável.

Tenho a noção de que tudo o que fiz foi mal feito, tudo o que realizei não se viu nem foi reconhecido, tudo o que transformei como por bruxedo se tornou em realidade demoníaca, tudo em que toquei é agora apenas sedimento, tudo foi em vão. O simples facto de ter nascido foi um terrível engano, um deslumbramento falso da natureza, uma boa vontade dos progenitores seguida de um desperdício do que se preparava para a vida.

Mata-me a noção de que falhei. Como pai, como companheiro, como amigo, como amante, como profissional, como ser humano.

Curioso como nestes momentos finais a memória é tão precisa como nos melhores traços intelectuais que tivemos ao longo da vida. Porém, só as más recordações afloram, nunca as que nos poderiam fazer mudar de ideias acerca de um fim inevitável.

Os comprimidos estão à minha frente. O seu vislumbre torna-se confuso. Há um caminho a percorrer, não se podem escolher as drogas mais rápidas. Tento os ansioliticos – creio que 5 bastam – mais uma palete de 6 antidepressivos. Chega para conduzir e chegar ainda vivo ao local do encontro. Os encontros com o desconhecido nunca me deram particular prazer. Este também não deveria de dar mas há um tempo e um momento em que não se aguenta mais, em que a vontade de se sentir livre é muito forte, a vontade de cobardemente se enviar tudo para a responsabilidade de outros nos parece o mais adequado a fazer, mesmo sabendo que nos vamos afastar para sempre de todos os que mais amamos. Mas será que somos amados? Não. É mesmo por isso que …cheguei.

A noite está fria. Mas o céu limpo. Estrelado. Bom, não sei bem se são estrelas ou os químicos a fazer efeito. Espero mesmo que sejam estrelas. Gostaria de as ver pela última vez. O meu grande hobbie, as estrelas.

As pernas já tremem. Óptimo, não tarda. A visão torna-se turva. Felizmente já não está ninguém na plataforma. Esperemos que venha à hora certa.

Aí vem.

Tem de ser muito antes da imobilização final…ohh o estômago. Aqui está ! Velocidade…euuuu!!!!!!!!........”

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